Notícia extraída do site do Superior Tribunal de Justiça:
“1/7/2013 - 7h43
DECISÃO
Mantida decisão que condenou Golden Cross ao pagamento solidário de indenização por erro médico
A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve decisão que condenou a Golden Cross Assistência Internacional de Saúde Ltda. ao pagamento solidário de indenização por danos morais a uma segurada e seu marido, por erro médico na interpretação de um exame de ultrassonografia com translucência nucal (TN).
A médica, funcionária de uma clínica de radiologia credenciada da operadora de plano de saúde, apontou, como resultado do exame, que o feto poderia ser portador de Síndrome de Down. Porém, após novos exames, constatou-se que o feto era normal e não apresentava nenhuma síndrome cromossômica.
Seguindo o relator, ministro Marco Buzzi, a Quarta Turma afirmou que o STJ tem posição clara no sentido de reconhecer a responsabilidade solidária entre a operadora de plano de saúde e o hospital (ou clínica) conveniado ou credenciado, em casos de má prestação de serviço, pelos prejuízos daí resultantes para o contratante do plano.
A ação
A segurada, o marido e a filha, ainda por nascer, ajuizaram ação de indenização contra o Centro Radiológico da Lagoa, do Rio de Janeiro, e a Golden Cross, pedindo a condenação das empresas ao pagamento de indenização por danos morais a ser fixada judicialmente, em virtude de erro médico ao interpretar erroneamente uma ultrassonografia com TN.
Embora tenha rebatido todas as alegações dos autores na ação de indenização, o centro radiológico acabou firmando um acordo, homologado judicialmente, com a segurada e o marido. O trato culminou na extinção do processo. A ação contra a operadora de plano de saúde prosseguiu.
O juízo da 37ª Vara Cível da comarca do Rio de Janeiro julgou improcedente a ação indenizatória, entendendo ser inviável a ocorrência de abalo psicológico da filha, ainda não nascida à época dos fatos. Além disso, o diagnóstico de existência de anomalia teria surgido das conclusões da segurada e do marido, já que nada nos autos contribuiu para que se inferisse que a médica houvesse aventado essa possibilidade.
Por fim, o juiz considerou que o acordo celebrado entre os autores e o devedor solidário é proveitoso ao outro, e por isso extinguiu a obrigação.
Os autores apelaram da sentença. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) proveu parcialmente o pedido para condenar a Golden Cross a pagar a quantia de R$ 6 mil, dividida em partes iguais entre eles e corrigida monetariamente. “A falha na prestação de serviço, concernente a diagnóstico que indicou equivocadamente feto portador de anomalia genética, enseja o dever de reparação moral”, concluiu o tribunal estadual. Tanto os autores quanto a operadora do plano de saúde recorreram ao STJ.
Contestações
A segurada e o marido defenderam a majoração da verba indenizatória, ao argumento de que fazem jus à integral reparação do dano, não sendo razoável a fixação em R$ 6 mil, tão somente por ter sido este o valor do acordo que levou à extinção do processo em relação ao centro radiológico.
Eles se insurgiram contra a rejeição do pedido de indenização em relação à filha, argumentando que o bebê ainda no ventre materno, já dotado de personalidade jurídica, passou por “dor, sofrimento e constrangimento o suficiente para ter sua vida ameaçada e colocada em risco”.
Por fim, defenderam que a correção monetária e os juros de mora devem incidir desde o evento que causou o dano e não a partir da decisão de segundo grau, por se tratar de débito decorrente de ato ilícito.
A Golden Cross, por sua vez, sustentou que o tribunal fluminense foi omisso, pois embora instado, deixou de se manifestar quanto à existência de dívida comum, notadamente porque o valor pretendido pela segurada deveria ser arbitrado judicialmente.
Quanto ao mérito da questão, argumentou que, “inexistindo cobrança de valor certo ou determinado, a título de indenização por danos morais, jamais se poderia afirmar que a transação celebrada entre os recorridos e a primeira ré compreenderia pagamento parcial da dívida”.
Ambos os recursos foram rejeitados.
Responsabilidade solidária
O relator, ministro Marco Buzzi, destacou que, se o contrato é fundado na prestação de serviços médicos e hospitalares próprios ou credenciados, no qual a operadora de plano de saúde mantém hospitais e emprega médicos ou indica um rol de conveniados, não há como afastar sua responsabilidade solidária pela má prestação do serviço.
Para o ministro, a transação realizada entre o codevedor solidário e o credor somente enseja a extinção da dívida em relação aos demais devedores se a referida contratação abarcar a dívida comum, como um todo. Diversamente, caso a quitação decorrente da transação referir-se apenas a parte da dívida, os demais devedores permanecerão vinculados ao débito, solidariamente, descontado, contudo, o valor do pagamento parcial.
Acordo
Quanto ao acordo firmado entre os autores e o centro radiológico, Marco Buzzi ressaltou que o instrumento particular de transação, conforme reconhecido pelo Tribunal de origem, não deixa margem de dúvida acerca da abrangência do pacto, consignando expressamente que o acordo teve por finalidade encerrar o conflito de interesse existente entre as partes contratantes, tão-somente, “perdurando assim o litígio somente em face da Golden Cross”.
O relator destacou ainda que, conforme preceitua o artigo 843 do Código de Processo Civil, os termos de uma transação devem ser interpretados restritivamente. Nessa medida, os direitos declarados ou reconhecidos em tal contratação produzem efeitos em relação à s partes nela envolvidas, sem beneficiar ou prejudicar terceiros que dela não fizeram parte (res inter alios acta).
“Atendo-se aos termos pactuados, não se afigura possível estender os efeitos da quitação conferida ao devedor solidário – relativa, única e exclusivamente, Ã sua quota-parte da dívida em comum – ao codevedor que, na transação, não interveio”, acrescentou.
Indenização
Segundo o ministro, a doutrina e a jurisprudência reconhecem que “o nascituro, ainda que considerado como realidade jurídica distinta da pessoa natural, é igualmente titular de direitos da personalidade (ao menos, reflexamente)”. Assim, ele é merecedor de toda a proteção do ordenamento jurídico, destinada a garantir o desenvolvimento digno e saudável no meio intrauterino e o consequente nascimento com vida.
Dessa forma, reconhece-se a possibilidade, em tese, de o nascituro vir a sofrer danos morais, decorrentes da violação da dignidade da pessoa humana, desde que estes, de alguma forma, comprometam o seu desenvolvimento. No caso, contudo, segundo o relator, não se pode falar em dano moral suportado pelo nascituro, pois, no dia seguinte ao recebimento do resultado do exame com a informação equivocada quanto à síndrome cromossômica, a mãe foi submetida a novo exame que descartou esse diagnóstico.
“Não se olvida, tampouco se minimiza, o abalo psíquico que os pais suportaram em virtude de tal equívoco, dano, contudo, que não se pode estender ao nascituro”, entendeu. Para ele, o erro não pôs em risco a gestação nem repercutiu na vida da criança, após seu nascimento, visto que os exames que poderiam acarretar riscos à gravidez não foram feitos.
O valor também foi um ponto mantido pelo relator. Segundo ele, não há razão lógica para que os pais considerem justo e razoável o valor de R$ 6 mil para que a clínica quite sua parte da obrigação, mas entendam irrisório tal valor em relação à devedora remanescente. Além disso, o valor arbitrado, no total de R$ 12 mil, não é ínfimo, mas “razoável e proporcional aos danos suportados, guardadas as peculiaridades do caso”.
Correção monetária
Por fim, sobre a correção monetária fixada pelo TJRJ, o ministro Buzzi ressalvou que o vínculo que une as partes e do qual decorre o dever de indenizar é de natureza contratual, razão pela qual os juros moratórios referentes à reparação por dano moral, incidem a partir da citação. “A correção monetária do valor da indenização pelo dano moral dá-se a partir da data em que restou arbitrada, no caso, por ocasião da prolação do acórdão que julgou a apelação”, afirmou.
Coordenadoria de Editoria e Imprensa
*Mauricio Miranda.