Notícia extraída do site do Superior Tribunal de Justiça:
“18/9/2014 – 15h57
DECISÃO
Sexta Turma condena estagiário que desviou recursos da conta bancária de idosa
A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) restabeleceu a condenação de um estagiário do Banco Banrisul com base no artigo 102 do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), por ter desviado dinheiro da conta de uma cliente de 81 anos para sua própria conta. Para os ministros, a configuração do crime de desviar bens do idoso não exige que o agente tenha a posse prévia desses bens.
O artigo 102 do estatuto diz que é crime, punível com um a quatro anos de reclusão e multa, apropriar-se ou desviar bens, proventos, pensão ou qualquer outro rendimento do idoso, dando-lhes aplicação diversa de sua finalidade.
De acordo com a Sexta Turma – que seguiu o voto do relator, ministro Sebastião Reis Júnior –, a prévia posse dos bens só seria indispensável para caracterizar o crime na hipótese de apropriação dos recursos do idoso. A decisão do STJ reformou acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS).
O estagiário foi denunciado pelo Ministério Público pela prática do crime do artigo 102, por 14 vezes, em continuidade delitiva. Segundo a denúncia, de março de 2008 a junho de 2009, ele transferiu valores da conta de uma cliente idosa para sua conta pessoal, ocasionando prejuízo de R$ 4.230.
Furto
A sentença acolheu o pedido do MP e condenou o estagiário à pena de dois anos e três meses de reclusão em regime inicial aberto, substituída por penas restritivas de direitos, e ao pagamento de dez dias-multa. Em apelação, a pena foi reduzida para um ano e seis meses.
Porém, na apreciação de embargos infringentes, o TJRS entendeu que os fatos descritos na acusação não correspondiam ao tipo penal do artigo 102 do Estatuto do Idoso, mas ao crime de furto. Para o tribunal local, a transferência de valores da conta bancária da vítima para a conta do estagiário “não significa apropriação indébita, pois não há inversão da posse”.
A corte gaúcha também considerou que não houve desvio de bens. “Por desvio de bens da sua finalidade há que se compreender a conduta mais restritiva, cabendo estabelecer, primeiro, qual era a finalidade dos bens”, afirmou o tribunal. Como não seria possível alterar a acusação na segunda instância, o TJRS absolveu o estagiário.
Desclassificação
O Ministério Público recorreu ao STJ alegando que, na conduta de desviar, a posse prévia dos bens não seria necessária. Além disso, estaria demonstrado o desvio de finalidade, já que a destinação dos valores desviados era permanecer na conta bancária da vítima.
Para o órgão acusador, se o TJRS entendeu que houve furto e não o crime do artigo 102, deveria ter promovido a desclassificação da conduta em vez de absolver o réu. No recurso, pediu o restabelecimento da sentença condenatória ou a condenação do estagiário por furto.
Núcleos distintos
O ministro Sebastião Reis Júnior afirmou que a transferência dos valores da conta bancária da vítima para a conta pessoal do estagiário, mediante ardil, evidentemente “desviou os bens de sua finalidade”.
“Não importa aqui perquirir qual era a real destinação desses valores, pois independentemente de qual fosse, foram eles dela desviados, ao serem, por meio de fraude, transferidos para a conta do estagiário”, disse o relator.
Ele citou doutrina segundo a qual o tipo penal do artigo 102 do Estatudo do Idoso tem dois núcleos distintos, representados pelos verbos “apropriar-se” e “desviar”. Só no primeiro caso se pressupôe que o agente tenha a prévia posse lícita do bem. Na hipótese de desvio, o criminoso não precisa ter a posse anterior do bem, bastando modificar sua destinação e tirar do idoso a possibilidade de usufruir do que é seu.
A Turma deu provimento ao recurso para restabelecer a condenação definida no julgamento da apelação.”
*Mauricio Miranda.