O tema é delicado, eis que quando se interrompe a gestação de um ser humano de forma voluntária. Dessa forma assertiva seria crime, no entanto, o legislador previu, no art. 128 do Código Penal, que não se pune o aborto praticado por médico:
Aborto Necessário
I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
Aborto no caso de gravidez resultante de estupro.
II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é procedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
Mesmo estas duas hipóteses muitas mulheres desconhecem que podem fazer o aborto, que não recairá sobre elas qualquer punição, assim como há o desconhecimento de muitos profissionais de saúde, segundo leitura da autora.
Mas, afinal, porque o tema é tormentoso?
Porque resvala em dogmas, religiôes e crenças, que incutem, no tema, questôes que fogem da vontade da mulher.
Tais concepçôes levam à culpa da gestante, em optar por interromper a gestação, mesmo sendo, por exemplo, uma criança que foi estuprada por um vizinho.
Imagine: além do trauma do abuso sexual, a vítima carrega a culpa por interromper esta gestação não desejada e criminosa.
O Brasil é um país laico, portanto, as decisôes são para todas as brasileiras que quiserem utilizar a lei. Para quem discordar, a atitude deve ser simples: não interrompa a gravidez pelas suas convicçôes.
Agora, recentemente, tivemos um avanço: após sete anos (acredito), foi julgado o ADPF 54 pelo STF, no qual a mulher poderá interromper a gestação no caso de feto portador de anencefalia:
O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, julgou
procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade da
interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto
anencéfalo é conduta tipificada nos artigos 124, 126, 128, incisos I e
II, todos do Código Penal, contra os votos dos Senhores Ministros
Gilmar Mendes e Celso de Mello que, julgando-a procedente,
acrescentavam condiçôes de diagnóstico de anencefalia especificadas
pelo Ministro Celso de Mello; e contra os votos dos Senhores Ministros
Ricardo Lewandowski e Cezar Peluso (Presidente), que a julgavam
improcedente. Ausentes, justificadamente, os Senhores Ministros
Joaquim Barbosa e Dias Toffoli.
– Plenário, 12.04.2012.
O nosso Código Penal foi idealizado em 1940, sofrendo algumas modificaçôes desde então. Hoje. podemos realizar exames que detectam mal conformação cerebral tão grave que, após o nascimento, em pouco tempo, a criança morre.
Portanto, a gestante fica a mercê do luto por mais de 9 meses para enterrar o seu filho. Isto é justo? A única diferença é que a mulher terá o direito de interromper esta gravidez pesarosa.
Ninguém é obrigado a fazer tal interrumpção, mas, agora, terá o seu direito garantido.
Não julgue a escolha desta mulher: é uma questão de livre arbítrio e, se você cerceá-la, estará resvalando em dogmas e não em lei e decisôes jurisprudenciais. Respeite as consideraçôes alheias, eis que, numa sociedade livre e democrática, como queremos que seja a nossa, deve-se respeitar o “outro”.
Elisabete Basto
*Imagem extraída do Google.